sábado, 24 de março de 2012

Fio da meada


Sabe quando a gente tem a sensação de que precisa encontrar alguma coisa?

Procuro dentro da geladeira, nas paredes do quarto, nas folhas em branco em cima da escrivaninha, no radio, na voz desafinada do cantor, passo pela a garrafa de café, tomo uma xícara, duas, na terceira fico olhando o café preto, a tênue fumaça saindo da xícara.

Procuro dentro dos livros, página por página, no maço de cigarros, no filtro, no trago, na nuvem negra que invade a sala. Ligo a TV, os cem canais... Procuro dentro do banheiro, na água da descarga que desce feito um redemoinho, no espelho, na minha cara amarrotada.

Vou para a varanda, fico a observar os prédios ao longe... Também não acho nada, de novo nos cigarros, outra vez na garrafa de café, retorno às folhas em cima da escrivaninha, inútil.

Procuro na maçaneta da porta, nos botões do elevador, na garagem, Tiro a chave do bolso, olho dentro do bolso, vejo apenas, linhas de costura, farelos de sei lá o que. Reviro o porta luvas, procuro nas estradas nos outdoors, no retrovisor.

Sento-me no banco de uma praça,crianças gritam,correm, tomam sorvetes,  os pássaros entoam um tímido canto em meio ao barulho de carros e buzinas. O vento quente do asfalto sopra os papeis jogados no chão, um panfleto de uma agência de turismo se prende em meus pés. Pacotes de viajem para Bahia, salvador, praia, sol, sungas...

Começo a pensar no quanto o mundo é grande, quantos lugares, pessoas, comidas exóticas, passarelas, torres, deuses, montanhas, pôr do sol. 

Quantas, florestas, frestas, fechaduras, musicas, numerosos acordes, tantas cervejas, tantas boates, tentações, violões, vulcões! Quantos teatros, peças, seitas, perigos, segredos...

E diante de tanta vida eu me pergunto: Como é que alguém ainda pode não encontrar um assunto?

quinta-feira, 8 de março de 2012

Éden



Não sabendo o que fazer, apela para a caneta na esperança de se exorcizar ao escrever, mesmo não tendo noção a que demônios deve libertar...
A vida, vista ao abrir e fechar dos próprios olhos parece pequena,ao passo de que se abrirmos as janelas ela se escancara.Vida...monumental mistério sem sentindo!
“Decifra-me ou devoto-te!”: - Devora-nos!  Devora o corpo, a mente. Os calendários devoram-nos a existência. Ah vida... Desencanto regressivo do existir.
Sim é inevitável, instinto, todo homem foge um dia,quando não foge da cidade ,estado ou país, foge do amor, da família, da mídia, do anonimato. Fugir... Fugir pra que? Se da vida não se foge, se do tempo não se esconde.
O tempo é Deus a espreitar o homem com suas vergonhas de fora, pequeno verme trêmulo, escondido ingenuamente atrás das moitas, inquilino mal pagador, expulso do Éden.  

Gênesis

Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha?

E disse Deus: Façamos o galo.
E não é bom que o galo esteja só
Far-lhe-ei uma adjutóra.
E conhece o galo à galinha, sua mulher.
E ela concebeu, e teve o ovo.

              X

E disse Deus: Haja ovo.
E houve ovo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

GAIOLA

Pássaros cantam na minha janela todos os dias, o dia inteiro. É bom acordar e ouvi-los cantar, se não fosse o fato deles estarem em uma gaiola eu poderia até ficar feliz. Pertencem ao meu vizinho, os pássaros, ele pendura a gaiola em frente a minha janela num lugar de sombra.

Eu poderia usar isso de metáfora e escrever uma Crônica sobre a liberdade, sobre esta coisa de querer prender os outros em nossa vida para que nos tragam felicidade, sem perceber, que por mais que eles possam estar cantando todos os dias, ainda sim estão presos. Mas, não sei nada sobre prender os outros.

Talvez eu escrevesse um manifesto, sim, eu poderia escrever um manifesto contra o tráfico e o aprisionamento de animais silvestres e me indignar com o quanto nós homens, somos egoístas em pensar  que os animais existem para nos servir .Mas não sou dada  a defesas ambientais, sou pessimista de natureza e acredito que não há o que fazer com o ser humano.Uma denuncia ali uma prisão aqui, e mais e mais seres humanos nascem para cometer novas atrocidade.É uma visão pessimista eu sei,mas é defeito genético,o pessimismo.

Quem sabe eu escrevesse um elogio ao canto dos pássaros, uma crônica boba e imparcial, que falasse sobre a origem, a espécie... Ou serão espécies? Eles são diferentes um do o outro, a cor pelo menos é... Mas como dá pra perceber, não entendo nada de pássaros.

 Bom, eu também poderia contar em uma crônica bem altruísta e com toque de historias de heróis, que um dia eu fui até a gaiola, abri a porta e os pássaros voaram cantando para liberdade... Mas que estupidez! É claro que eu não faria isso... Eles morreriam lá fora.  Desaprenderam a viver na natureza, não saberiam mais caçar, morreriam de fome, de sede. Não só se aprende a viver em cativeiro, mas também se desaprende á viver em liberdade.

E enquanto escrevo, os pássaros cantam na minha janela, todos os dias. É bom acordar e ouvi-los cantar, e eles estão lá, na gaiola, todos os dias.

Agora era Marquinhos

 Como pôde ter chegado aquele estado... Não sabia explicar, a casa revirada, sem vontade de arrumar, que diferença faria?

  Passou a mão sobre os livros jogados na mesa da sala, sempre isso... Livros, livros e livros, nada mais.

  Já havia se esquecido de como tudo era lá fora, não sabia o que encontraria do outro lado da porta. Via o sol através da janela e um arrepio de pavor lhe corria por todo o corpo, como seria aquela luz quente tocando seu corpo?  Ele tinha mesmo se esquecido? Não era possível...

  Nem mesmo a cara dos entregadores ele via, nem os olhava no rosto, eles chegavam, colocavam a entrega perto da porta, ele entregava o dinheiro ou passava o cartão na Cielo... Ah, os ócios da vida moderna...

  Não sabia mais, ao certo, como era o som de sua própria voz, fora os pedidos de compras pelo telefone, não conversava com ninguém, era jovem, doença não tinha, portanto não freqüentava nem hospitais.

  Havia, assim, aos poucos, sem perceber, deixado de sair de casa, ia negando um convite aqui, outro ali, atendia os telefonemas sem vontade, um dia parou de atender, depois o desligou o telefone por completo: Como as pessoas lhe incomodavam!

   Desempregado, recebia uma pensão da morte do seu pai, não era muito, mas dava para viver, afinal o velho tinha deixado... Bem, mas isso é outra historia...

  E se ele comprasse um cachorro?É isso! Talvez a vontade de sair de casa voltasse, com os latidos enlouquecedores ele teria que levar o cachorro pra fora, teria que levá-lo para passear e para  fazer mais essas coisas que os cachorros fazem...O que mais os cachorros fazem? Melhor esquecer, não seria justo com o cachorro.

  Desistiu do cachorro e pegou uma xícara de café, estava frio, jogou na pia.

  Pegou um livro sobre a mesa, mais um, sempre os livros, e sentou-se na poltrona, abriu na página onde estava o marcador ...

  Estava agora, andando calmamente por uma rua cercada por arvores, de mãos dadas com Maria Helena. Um vento fresco espalhava folhas secas por toda a parte, ah, Maria Helena, como era linda.  Ele se chamava Marcos de Alcântara, o Marquinhos. Os dois faziam juras de amor enquanto combinavam a viagem para França, empresário de renome Marquinhos viajaria a negócios, mas como não vivia sem a doce Leninha a levaria consigo... 

  Ali, estirado na poltrona da sala, segurando um romance barato, em meio á poeira e os copos sujos, ele sorria, e até arrumava os cabelos que o vento soprava. Agora, era Marquinhos. Amanhã... bem, amanhã é uma outra história.











domingo, 8 de janeiro de 2012

Chuva

A tia, sentada no sofá da sala ,assistia televisão com o sobrinho de quatro anos no colo. Os jornais noticiavam os estragos causados pela chuva, casas inundadas os móveis estragados as pessoas chorando.
O menino olha para a tia e pergunta:
-Tia já pensou se acontece isso aqui na sua casa?
A tia responde:
-Ah, meu filho, mas Deus não deixa não!
E o menino:
- Mas tia, i lá não tem Deus não?...
A tia desliga a TV

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O louco do ônibus


 Vestido com terno e gravata e calçado com sapato social, ninguém diria que era louco, mas era, jovem e completamente louco... Dentro do ônibus sentado inquieto num dos bancos,o fone do celular no ouvido, ele falava sozinho, ora resmungava consigo mesmo, ora colocava a cabeça pra fora da janela e xingava, sempre com palavrões e muito nervoso.

 Em um determinado momento o louco começa a repetir algo como: O-NO-ME-TAI-UM, O-NO-ME-TAI, DOIS, O-NO-ME-TAI, TRÊS, ou talvez algo parecido, não tenho idéia do que isso significa, talvez alguma palavra mágica ou uma língua qualquer dos loucos que só ele entenda.

 Sentada no banco atrás do meu, uma menina se ocupa de explicar a outra que o rapaz era mesmo louco. Que quando criança ele havia sido atropelado, ela se lembrava por que tinha uns 12 anos, e que ele havia ficado muitos meses internado  e quando saiu do hospital nunca mais foi o mesmo, havia ficado louco e desde então, andava pelo bairro gritando morro acima e morro abaixo e completou: Temos que agradecer por ele não está cantando.

  O ônibus que não possuía elevador para cadeirantes é parado por uma senhora numa cadeira de rodas.

Por uma lastima do destino, a senhora para bem embaixo da janela do jovem louco que por alguma razão lunática coloca por acaso a cabeça pra fora da janela, a senhora prontamente lhe pede para ajudá-la, neste exato momento o louco cospe. O cuspe quase atinge se é que não atinge a senhora na cadeira de rodas.

 Um grupo de trabalhadores, que passava pelo local, se mobiliza para ajudar a senhora a entrar no ônibus, a trocadora, após esperar algum momento, levanta de sua cadeira resmungando que não havia nenhum homem naquele ônibus e se levanta pra também ajudar.

 Havia além do louco, dois outros rapazes dentro do coletivo, um adolescente com cara de assustado, era mesmo um adolescente? E um hippie negro. Depois de ouvir os resmungos da trocadora, o hippie, com o celular no ouvido, sem parar de falar nele, se levanta para também ajudar.

A senhora é colocado dentro do ônibus, indignado com o comportamento do louco, (que ele não sabe que é um louco) um dos trabalhadores que ajudou a colocar senhora dentro do ônibus se ocupa em ofendê-lo, chamando-o, ironicamente, de doido. O homem revoltado repetia: Você é um doido! Isso sim que você é!  Ao que ele, colocando a cabeça para fora da janela respondia com palavrões que me recuso á transcrever.

E foi isto que aconteceu, o louco desceu num ponto e bem depois do negro hippie eu desci.

Seria  uma história engraçada, dessas que agente conta num café, se não fosse uma historia  triste... Dessas que existem nessa vida estranha,que é a vida numa cidade grande.