quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

GAIOLA

Pássaros cantam na minha janela todos os dias, o dia inteiro. É bom acordar e ouvi-los cantar, se não fosse o fato deles estarem em uma gaiola eu poderia até ficar feliz. Pertencem ao meu vizinho, os pássaros, ele pendura a gaiola em frente a minha janela num lugar de sombra.

Eu poderia usar isso de metáfora e escrever uma Crônica sobre a liberdade, sobre esta coisa de querer prender os outros em nossa vida para que nos tragam felicidade, sem perceber, que por mais que eles possam estar cantando todos os dias, ainda sim estão presos. Mas, não sei nada sobre prender os outros.

Talvez eu escrevesse um manifesto, sim, eu poderia escrever um manifesto contra o tráfico e o aprisionamento de animais silvestres e me indignar com o quanto nós homens, somos egoístas em pensar  que os animais existem para nos servir .Mas não sou dada  a defesas ambientais, sou pessimista de natureza e acredito que não há o que fazer com o ser humano.Uma denuncia ali uma prisão aqui, e mais e mais seres humanos nascem para cometer novas atrocidade.É uma visão pessimista eu sei,mas é defeito genético,o pessimismo.

Quem sabe eu escrevesse um elogio ao canto dos pássaros, uma crônica boba e imparcial, que falasse sobre a origem, a espécie... Ou serão espécies? Eles são diferentes um do o outro, a cor pelo menos é... Mas como dá pra perceber, não entendo nada de pássaros.

 Bom, eu também poderia contar em uma crônica bem altruísta e com toque de historias de heróis, que um dia eu fui até a gaiola, abri a porta e os pássaros voaram cantando para liberdade... Mas que estupidez! É claro que eu não faria isso... Eles morreriam lá fora.  Desaprenderam a viver na natureza, não saberiam mais caçar, morreriam de fome, de sede. Não só se aprende a viver em cativeiro, mas também se desaprende á viver em liberdade.

E enquanto escrevo, os pássaros cantam na minha janela, todos os dias. É bom acordar e ouvi-los cantar, e eles estão lá, na gaiola, todos os dias.

Agora era Marquinhos

 Como pôde ter chegado aquele estado... Não sabia explicar, a casa revirada, sem vontade de arrumar, que diferença faria?

  Passou a mão sobre os livros jogados na mesa da sala, sempre isso... Livros, livros e livros, nada mais.

  Já havia se esquecido de como tudo era lá fora, não sabia o que encontraria do outro lado da porta. Via o sol através da janela e um arrepio de pavor lhe corria por todo o corpo, como seria aquela luz quente tocando seu corpo?  Ele tinha mesmo se esquecido? Não era possível...

  Nem mesmo a cara dos entregadores ele via, nem os olhava no rosto, eles chegavam, colocavam a entrega perto da porta, ele entregava o dinheiro ou passava o cartão na Cielo... Ah, os ócios da vida moderna...

  Não sabia mais, ao certo, como era o som de sua própria voz, fora os pedidos de compras pelo telefone, não conversava com ninguém, era jovem, doença não tinha, portanto não freqüentava nem hospitais.

  Havia, assim, aos poucos, sem perceber, deixado de sair de casa, ia negando um convite aqui, outro ali, atendia os telefonemas sem vontade, um dia parou de atender, depois o desligou o telefone por completo: Como as pessoas lhe incomodavam!

   Desempregado, recebia uma pensão da morte do seu pai, não era muito, mas dava para viver, afinal o velho tinha deixado... Bem, mas isso é outra historia...

  E se ele comprasse um cachorro?É isso! Talvez a vontade de sair de casa voltasse, com os latidos enlouquecedores ele teria que levar o cachorro pra fora, teria que levá-lo para passear e para  fazer mais essas coisas que os cachorros fazem...O que mais os cachorros fazem? Melhor esquecer, não seria justo com o cachorro.

  Desistiu do cachorro e pegou uma xícara de café, estava frio, jogou na pia.

  Pegou um livro sobre a mesa, mais um, sempre os livros, e sentou-se na poltrona, abriu na página onde estava o marcador ...

  Estava agora, andando calmamente por uma rua cercada por arvores, de mãos dadas com Maria Helena. Um vento fresco espalhava folhas secas por toda a parte, ah, Maria Helena, como era linda.  Ele se chamava Marcos de Alcântara, o Marquinhos. Os dois faziam juras de amor enquanto combinavam a viagem para França, empresário de renome Marquinhos viajaria a negócios, mas como não vivia sem a doce Leninha a levaria consigo... 

  Ali, estirado na poltrona da sala, segurando um romance barato, em meio á poeira e os copos sujos, ele sorria, e até arrumava os cabelos que o vento soprava. Agora, era Marquinhos. Amanhã... bem, amanhã é uma outra história.